— Márcia você me desculpe lhe falar mais uma vez
amiga, mas é que eu realmente penso que você deveria ir comigo lá no terreiro.
— Bobagem Vera, isto é coisa de ignorante!
— Ignorante amiga? Então quer dizer que você julga-me como tal?
— Não Vera! Apenas digo que as pessoas que fazem parte destes centros são
ignorantes.
— Os médiuns?
— Exatamente!
— Mas lá na corrente do terreiro que eu freqüento como assistência
existem médicos, professores, entre outros.
— Então, eles são doutos na profissão que exercem, mas ignorantes por
acreditarem em contos de fadas.
— Desculpe pela insistência minha amiga, mas é que eu estou muito
preocupada com esta sua tontura que nenhum dos médicos que você visitou
encontrou explicação plausível.
— Eu sei Vera, eu sei!
— Então amiga, o que lhe custa dar uma chance para que as entidades que
militam na Umbanda possam lhe auxiliar? Você não quer acabar com esta tontura?
— Puxa, já perdi as contas de quantas vezes você abordou este assunto
comigo!!!
— Perdão! Eu não mais lhe aborrecerei!
— Não Vera, eu vou contigo! Está na hora de acabar com esta história de
uma vez!
— Então você vai?
— Vou!
— Graças a Deus!
— Quando é a sessão?
— Hoje a noite, às 20:00 horas.
— Pode deixar que eu não faltarei.
Naquela sexta-feira à noite, precisamente às 20h45min, Márcia sentou-se
em um toco para receber a consulta do Caboclo Rompe Mato que disse-lhe:
— Salve Tupã filha!
Ao que ela respondeu:
— Salve!
— Este Caboclo ignorante só gostaria de saber em que poderia auxiliá-la.
Márcia pensou: “será que esta entidade sabe o que eu penso a respeito
desta seita?”
— Religião filha!
— Como?
— A Umbanda não é uma seita, é uma religião!
— Então você pode ler meus pensamentos?
— Posso ver somente aquilo que Tupã julgar que seja importante para
auxiliá-la.
— Então por que você... Caboclo Rompe Mato, não é isso?
— Exatamente!
— Por que você não me diz o que vim fazer aqui nesta noite? Será que Deus
permitiria que você visse?
— Já vi!
— Viu?
— Você pode até não saber, mas veio até aqui para acabar com uma certeza
dentro de você!
— Acho que você não viu direito!
— Filha eu não devo tentar convencê-la de nada. Eu só posso dizer aquilo
que a Lei me permita revelar.
— Mas de que certeza você está falando?
— Da mesma certeza que o vosso pai explicou-lhe aos cinco anos de idade!
— Meu falecido pai?
— Exatamente, lá no circo.
— Não me recordo.
— Filha você se lembra quando seu pai lhe explicou como é possível um
animal robusto como o elefante ficar preso em um pequenino toco de madeira?
Os olhos de Márcia marejaram com as recordações do pai saudoso e ela
respondeu ao Caboclo:
— Lembro.
— Então, o seu pai lhe explicou que o elefante desde pequenino tem uma
corda amarrada em seu corpo que o prende a um fortíssimo tronco de árvore, não
foi?
— Exatamente!
— E como o elefante tenta inúmeras vezes se libertar daquela corda e não
consegue um dia ele acaba desistindo de tentar fazer isto justamente por ter a
certeza de que isto seria impossível.
— Meu Deus, mas como o senhor pode saber disto?
— Filha não precisa chamar-me de senhor, continue a tratar-me de você.
— Acho impressionante como o senhor pode saber de uma coisa tão antiga,
entretanto devo lhe dizer que se enganou quanto ao motivo que me trouxe até
aqui esta noite.
— Verdade filha?
— Sim. Vim até aqui por que estou com uma tontura terrível.
— A tontura é conseqüência e a certeza é a causa dela!
— Como é?
— Uma certeza que você possui está provocando esta tontura.
— É incrível como o senhor consegue ver tão bem o meu passado, mas não
enxerga o momento presente!
— Fale mais filha!
— Na verdade o meu esposo vem cobrando certa coisa há seis anos e eu
tenho um medo muito grande de “quebrar a cara” com a decisão que eu tomar. Eu
tenho medo e não certeza!
— Você não está indecisa pelo medo, mas devido à certeza!
— Certeza?
— É! Certeza de que vai “quebrar a cara” se concordar com o seu marido.
— E qual é a diferença?
— Aquele que tem medo procura se precaver e se preparar para depois
escolher um caminho. Após a escolha ele até teme pelo pior, mas não tem receios
de viver um dia após o outro. Já aquele que tem a certeza de que vai “quebrar a
cara” acabará “quebrando-a” por que será incapaz de enxergar o aprendizado da
caminhada em sua decisão.
— Nisto você tem razão.
— Você entende que é a certeza que a vem impedindo de agir tal qual um
pequenino tronco de madeira que consegue prender o mais potente elefante?
Neste instante, ao misturar imagens do presente com recordações do seu
saudoso pai, Márcia chorou um copioso pranto.
O Caboclo Rompe Mato deixou que a tempestade passasse e somente quando
chegou a bonança emotiva no coração de Márcia foi que ele disse:
— Toda escolha envolve perdas e ganhos: o importante é saber o que se
quer perder e o que se deseja ganhar com uma determinada escolha.
— Você sabe de qual escolha eu estou falando, não sabe?
— Você, até sentar na frente deste Caboclo, tinha a certeza de que
engravidar iria acabar com a paz em sua vida. Agora, depois da conversa que
estamos tendo, esta certeza já não está tão clara em seu coração.
— É verdade!!! Mas...
— Fale filha!
— Qual é a relação desta certeza com a tontura que venho sentindo?
— Filha, esta gravidez foi programa no plano espiritual antes de seu
reencarne e este Caboclo só pode dizer que é uma oportunidade que você vem
esperando há muitas encarnações.
— É mesmo?
— Sim. E o seu espírito sabendo que a hora é chegada vem lhe fazendo
recordar do compromisso assumido há tanto tempo.
— E isto vem causando a tontura?
— Não. A sua teimosia em não querer assumir o compromisso vem atraindo
companhias espirituais indesejadas e grande desequilíbrio energético para você.
— Nossa, Caboclo Rompe Mato, eu não entendo muito do que você está
falando, mas sinto a força da verdade em suas palavras dentro do meu coração!
— Que bom filha, pois este Caboclo só pode lhe dizer o que Tupã permite
que seja dito.
— Eu entendo!
— Reflita no que Caboclo lhe disse e use o seu livre-arbítrio com
sabedoria! Peça a Deus que lhe dê entendimento para discernir verdadeiramente o
que é ganhar e o que é perder de acordo com as decisões que você tomar,
entende?
— Sim senhor, mas...
— Solta língua seu filha!
— Será que o sonho que tenho desde criança, mas que vem se repetindo
intensamente nos últimos seis meses, está relacionado com este meu compromisso
pré-reencarnatório?
— Filha este Caboclo, no momento, só está autorizado a lhe dizer que
assim que o seu filho nascer este sonho não mais se repetirá.
— Sim senhor, obrigada por tudo!
— Não agradeça a este Caboclo, agradeça a Tupã.
Dois anos depois deste atendimento Márcia senta-se com o seu filho na
frente do Caboclo Rompe Mato e lhe diz:
— Senhor Caboclo eu vim aqui hoje por dois motivos, sendo que o primeiro
é lhe agradecer pela vida do meu filho, Henrique.
— O Caboclo cruzou a testa da criança, olhou para Márcia e disse
sorrindo:
— O seu curumim é lindo, mas Caboclo lembra de ter pedido a você que só
agradecesse a Tupã, não é verdade?
— É verdade!
— Mas diga filha Márcia: qual foi o outro motivo que trouxe você para
conversar com este Caboclo?
— É que eu tenho uma dúvida que para esclarecê-la eu teria que lhe contar
aquele sonho que eu tinha desde criança e que, como o senhor mesmo me disse,
parou de ocorrer desde o nascimento do Henrique.
— Pode falar filha!
— É que em meu sonho eu me via como esposa de um governante de um dos
povos do antigo império babilônico. Eu via também que estava grávida, mas que o
filho não era do meu esposo e sim de um escravo de nossa residência que tinha o
nome de Josias.
Caboclo Rompe Mato recordava junto com Márcia quando lhe disse:
— Prossiga filha!
— Bom daí, de uma forma que eu não sei dizer como, o meu marido descobriu
este fato e chicoteou...
O Caboclo Rompe Mato prosseguiu:
... chicoteou o escravo até matá-lo.
— Isto! Mas o que mais me impressiona foram as palavras ditas pelo
escravo antes de morrer e que foram:... O Caboclo Rompe Mato prosseguiu:
— “...............não se preocupe , pois um dia eu a auxiliarei a trazer
a criança de volta a vida”.
— Isto! Mas, como o senhor sabe?
— Continue a contar o sonho filha!
— Naquele momento eu não entendi o porquê do escravo haver dito aquelas
palavras a mim; somente dois dias depois do seu óbito foi que descobri: meu
marido obrigou-me a escolher entre ter a criança e ser vendida como escrava ou
abortar e continuar como a amante dele. Visando apenas o meu conforto eu tive a
certeza de que era melhor abortar, mas o meu marido, mesmo assim, vendeu-me
como escrava, do resto não me lembro.
— E qual é a sua dúvida filha?
— É que o meu bebê, o Henrique aqui no meu colo, eu sinto como se ele
fosse aquele escravo reencarnado, eu estou certa?
— Isto é coisa que Caboclo Rompe Mato não está autorizado a dizer só o
seu próprio coração.
— Então está bem, agradeço a Deus por tudo, mas também não tem como
deixar de agradecê-lo!
E, com um esboço de sorriso no canto dos lábios, o Caboclo disse a ela:
— Agradeça somente a Tupã filha! Este Caboclo é só um espírito ignorante!
Márcia sorriu ao recordar-se do quanto era pedante e preconceituosa com
as práticas umbandistas há dois anos até o momento que conversou pela primeira
vez com o Caboclo Rompe Mato.
O Caboclo despediu-se de Márcia e ela bateu ritualisticamente a cabeça no
gongá em reverência e agradecimento a Deus.
A cambone do Caboclo Rompe Mato olhou para ele de forma quase suplicante
ao solicitar:
— Posso falar com o senhor?
— Pode falar filha!
— É que eu gostaria muito de agradecer o aprendizado que obtive com o
senhor neste atendimento: muitas vezes deixamos de agir, de optar, de escolher
nem tanto por medo, mas pela certeza de que o caminho que escolhermos nos
levará ao arrependimento. Jamais devemos agir com o intuito de errar, mas se
errarmos devemos entender que isto só nos aproxima do jeito correto de se fazer
as coisas.
— Caboclo está vendo que filha aprendeu mesmo, hein?
— Muitas vezes deixamos de agir não por medo de errar, mas pela
prepotência de querermos sempre ser infalíveis e pela triste certeza de que é
melhor não agir do que errarmos.
— Caboclo fica feliz com seu aprendizado, mas agradeça somente a Tupã por
ele.
— Sabe senhor Caboclo foi incrível, quase inacreditável, como o senhor
sabia descrever com minúcias o multissecular sonho da Márcia.
— Multissecular?
— É por que, como o senhor sabe, o império babilônico existiu há muitos
séculos.
— Entenda, filha cambone, que você não deveria se espantar com este
Caboclo por isto!
— Ah eu sei que não deveria mesmo, pois eu sei como o senhor é poderoso
e..........
— ...............Filha cambone?
— Sim senhor Caboclo?
— Nunca mais repita que este Caboclo é poderoso!!!
— Desculpe!
— Este Caboclo sabe que você exerce há pouco tempo a tarefa de cambonar,
mas nunca se esqueça que só Tupã é poderoso aliás, Todo Poderoso!
— Sim senhor!
— Não precisa ficar assustada, porque Caboclo não está brigando, mas
tentando esclarecer você.
— Sim senhor!
— Caboclo sabia do sonho da filha Márcia não porque é poderoso, a
justificativa é muito, mas muito mais simples!
— E o senhor poderia contar qual é?
— É que este Caboclo é contemporâneo da época em que ocorreu a história
contada pela filha Márcia e é por isso que tem conhecimento do sonho narrado
por ela, entendeu?
— Sim senhor!
— Então, por caridade, vá chamar a próxima assistência para este Caboclo
atender por que a prática da caridade não pode parar, não é filha?
— É sim senhor! Deixa eu ir lá chamar a assistência!
E enquanto a cambone se afastava do Caboclo ele agradecia intimamente a Deus
pela oportunidade de ter auxiliado na tarefa que há muito aguardava.
A cambone trazia uma senhora de aproximadamente sessenta e cinco anos de
idade que seria o próximo atendimento da entidade e, enquanto isto acontecia, o
Caboclo Rompe Mato passou a recordar dos tempos em que fora líder religioso de
um povo que posteriormente foi feito escravo pelos caldeus. Na religião que ele
professava eram ensinadas as verdades sobre a reencarnação, mas também a
existência em um único Deus. Lembrou-se de que era casado e que, quando o
seu povo foi feito escravo, o governante maior dos caldeus tomou a sua mulher
para amante, sem saber que ela estava grávida do esposo há poucas semanas.
A entidade se recordava destes momentos referentes a esta encarnação com
um profundo sentimento de respeito e gratidão ao Divino Criador pelo fato de
tanto haver evoluído por meio do sofrimento, e, enquanto a próxima pessoa a ser
assistida pela entidade sorria para ele e já se sentava no toco o Caboclo Rompe
Mato terminava de agradecer a Deus por todo o crescimento espiritual que
adquirira quando fora a encarnação do escravo caldeu que possuía, nesta
referida época, o nome de Josias.
Fonte:
http://pedrorangelsa.blogspot.com/